Já no primeiro dia o primeiro revés: após percorrermos cerca de 100 km pelo cerrado adentro durante mais de 3 horas por um carreador lamacento e sem encontrarmos em todo o percurso uma viva alma para pedirmos informações, chegamos ao fim da estrada às margens do rio Paracatu – a balsa movida a feijão que fazia a travessia para Santa Fé de Minas estava fora de operação; nossa única alternativa foi retornar ao ponto de partida e seguir pelas BR’s 365 e 040 rumo à cidade de João Pinheiro. Há males que vem para o bem: além de encontrarmos, pela primeira vez, uma população da forma cespitosa (entouceirada) da palmeira Astrocaryum campestre, encontramos no caminho de João Pinheiro à Urucuia uma nova e belíssima espécie de Syagrus, que não teríamos encontrado se tivéssemos seguido o caminho interrompido – aliás, a descoberta de novas espécies de palmeiras foi a marca registrada desta expedição: uma espécie por dia nos sete dias de viagem (fotos 1 e 2). Tínhamos a intenção de encontrar em Santa Fé de Minas o ponto onde as populações das palmeirasAttalea compta e A. oleifera se encontram e formam o híbrido intergenérico X Attabignya minarum, porém, devido à mudança de rota isto não foi possível.
Seguindo a direção norte até Arinos e em seguida à Chapada Gaúcha, a vegetação inicialmente de cerrado típico já mostrava sinais de mudanças, ora na direção de uma forma mais densa do tipo Mata Semidecídua, ora mais rala do tipo Campo Cerrado, cada uma com sua fisionomia própria: a primeira com angicos, jatobás, sucupiras e ipês e a outra com muricis, guabirobinhas, indaiás e marmelinhos.
A partir de Arinos em direção à Chapada Gaúcha a estrada estreita dava lugar a uma ampla estrada poeirenta de cerca de 100 km percorrida pelos pesados caminhões graneleiros que escoam a produção de grãos da Chapada Gaúcha para Brasília, única ligação desta região progressista com o resto do país. Os grandes chapadões brasileiros são geralmente ricos em biodiversidade, principalmente em palmeiras, contudo, quase todos tiveram sua vegetação original completamente varrida para a implantação da grande lavoura de cereais devido à ótima topografia que possuem. A alternativa foi concentrar nossas buscas nas margens destas áreas ou nos eventuais fragmentos remanescentes sobre a chapada; o resultado logo apareceu: uma nova espécie de palmeira deSyagrus foi encontrada, desta vez de tronco simples e de maior porte (foto 3); após os procedimentos de praxe, como medições de todas as suas partes, fotografias, coletas, etc., que geralmente dura cerca de 2 a 3 horas, adentramos ao Grande Sertão Veredas – uma vasta área vegetada e desabitada, onde se localiza o parque nacional deste nome; na sua parte mais alta (pouco mais de 1000 m de altitude) a vegetação é baixa e o solo arenoso, porém esconde uma rica diversidade vegetal (foto 4); e uma nova espécie de palmeira é logo encontrada: desta vez é uma rizomatosa e solitária do gênero Syagrus de menos de 20 cm de altura (talvez a menor de todas as palmeiras brasileiras). Muitas outras espécies já conhecidas também ocorrem nesta área, porém a maioria do tipo acaule. A única cidade da região, Formoso – MG, está localizada a mais de 100 km daqui por uma estrada do tipo carreador que em alguns pontos dá a impressão que vai acabar; mas para compensar, todo o trajeto é coberto por um cerrado quase intacto, com direito a ver algumas palmeiras muito interessantes, como a Butia capitata, que apesar de ter sido descrita na região de Montes Claros – MG, só nestas paragens forma grandes populações.
Deixando Formoso em direção ao nordeste de Goiás pelo cerrado baixo e ralo que predomina na região, logo tropeçamos em mais uma nova espécie, que se não estivesse fértil teria certamente nos confundido com uma Allagoptera campestris – espécie de palmeira extremamente comum em todo o cerrado (foto 5). Mais adiante um pouco, uma nova surpresa: a espécie acaule de Attalea barreirensis, até então considerada de ocorrência restrita à região de Barreiras – BA, situada 300 km à frente, começava a aparecer no cerrado alto e baixo, repetindo-se em todo o nordeste de Goiás, oeste da Bahia e sudeste do Tocantins (foto 6). Continuando no sentido norte, logo atingimos o estado da Bahia, no platô oeste – o maior chapadão do Brasil situado a mais ou menos 1000 m de altitude, cujo desbravamento iniciado a menos de 20 anos, teve sua vegetação original de campo cerrado quase totalmente destruída para dar lugar ao plantio de cereais (foto 7). Mesmo assim, logo na chegada já nos deparamos com pelo menos uma espécie nova e outra discutível; a primeira também confundível com a espécie Allagoptera campestris, com a face inferior das pinas coberta por uma camada de cera branca (foto 8). Provavelmente muitas outras espécies de plantas, outrora aqui existentes, já se extinguiram com o processo de cultivo agrícola; aliás, nem a vegetação existente ao longo da faixa da rodovia foi poupada, e nós somos testemunhas deste processo porque visitamos esta região desde 1992 quando a vegetação natural daqui estava intacta; a manutenção da vegetação natural ao longo das rodovias (na faixa de domínio) é muito importante para a preservação da biodiversidade vegetal de uma região, mesmo sendo queimada quase que anualmente, porque ao contrário dos pequenos fragmentos remanescentes aqui e acolá, ela é contínua ao longo de toda a área; achamos que o órgão responsável pelas rodovias brasileiras não deveria autorizar a sua destruição para o plantio.
Seguindo agora na direção oeste a partir da cidade de Barreiras, deixamos a Bahia e o chapadão de altitude com sua quase inexistência de vegetação natural e adentramos ao Tocantins, 350 m de altitude a menos, porém com uma bela e bem diversificada mata semidecídua e cerrado denso. Logo se seguiu uma interessante região calcária com belas formações monolíticas e flora específica.
Seguindo agora na direção sul, adentramos ao estado de Goiás em sua parte nordeste rumo à Chapada dos Veadeiros, região alta (1200-1600 m), coberta por campos rupestres e totalmente intacta, a não ser pelas queimadas anuais que destroem a biodiversidade vegetal menos do que a completa limpeza da vegetação para fins agrícolas (foto 9). Aqui a vegetação é muito rica e diversa, na qual temos encontrado pelo menos uma espécie nova a cada viagem que fazemos; e desta vez não foi diferente: como estávamos à procura específica de palmeiras, duas espécies novas foram encontradas: a primeira, de bela folhagem azul e de tronco simples, crescia entre as rochas das partes mais úmidas (foto 10) e a outra, também daquelas que se confunde com a espécie Allagoptera campestris, de bela e graciosa folhagem prateada crescendo nos campos arenosos. Após mais um dia de buscas pela região, chegou a hora de voltar, sem, contudo, deixar de procurar por novas palmeiras.
Situado na área urbana de Nova Odessa (Região Metropolitana de Campinas, a cerca de 120 km da Cidade de São Paulo – SP), o Jardim Botânico Plantarum é um centro de referência em pesquisa e conservação da flora brasileira. Foi idealizado a partir de 1990, por iniciativa do engenheiro agrônomo e botânico brasileiro Harri Lorenzi.
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