A região amazônica penetra no território Colombiano por uma extensão considerável, terminando no pé da Cordilheira dos Andes. Visando localizar algumas espécies de palmeiras brasileiras da região fronteiriça com a Colômbia, decidimos planejar uma expedição à selvaColombiana situada na região de fronteira com o Brasil, devido às dificuldades de acesso do lado brasileiro. Pela proximidade das regiões e semelhanças fisionômicas da vegetação, estimamos que as palmeiras procuradas podiam ocorrer também do lado Colombiano.
Trata-se de uma região mais isolada e muito menos desenvolvida que a Amazônia brasileira, havendo praticamente uma única cidade na região – Letícia, de cerca de 40 mil habitantes e situada na fronteira brasileira junto à cidade de Tabatinga, separada desta apenas por uma rua e também fazendo fronteira com o Peru do outro lado do rio Solimões (rio Amazonas para eles).
Letícia foi nosso ponto de partida, atingindo-a por Tabatinga através de vôo de cerca de 3 horas de Manaus. É uma pequena e simpática cidade, mais bonita que a vizinha Tabatinga e ligada ao resto da Colômbia apenas por avião.
Cisseronados pelo botanico colombiano Rodrigo Bernal, iniciamos nossas buscas na própria região, primeiramente por terra e a pé para a região norte, uma vez que não há estradas na região
(Foto 1).
Logo no primeiro dia encontramos as espécies de palmeiras Astrocaryum ciliatum, Geonoma oligoclona e Bactris fissifrons que também ocorrem do lado brasileiro. Em seguida, seguimos para o oeste pelo Rio Amazonas e depois pelo Rio Loreto-Yaca para encontrar mais duas espécies procuradas: Scleelea plowmanni e Itaya amicarum, esta ultima já havíamos encontrado em uma expedição anterior no Peru, porém não tínhamos encontrado com frutos maduros; desta vez o sucesso foi absoluto, tendo encontrado uma grande população.
Nossa próxima etapa foi na direção norte sempre junto à fronteira brasileira; como para esta região não há rios para se navegar porque todos correm no sentido oeste-leste, para desaguar finalmente no Rio Solimões, a única maneira possível de se chegar a qualquer lugar ao norte é através de avião; e foi assim que fizemos, com destino final a localidade de La Pedrera, a cerca de 200 km em linha reta de Letícia e situada junto ao rio Caquetá, que muda de nome para rio Japurá quando entra no Brasil 30 km abaixo, única localidade servida por aviação comercial; na verdade, um pequeno avião de uma empresa aérea militar que voa para lá a partir de Letícia uma única vez por semana. Voando baixo sobre densa floresta, finalmente nos aproximamos da pista local situada também no meio da floresta; antes de tocar o solo, uma apreensão instantânea tomou conta de nos: dezenas de soldados armados e entrincheirados cercavam os dois lados da pista; como o colega colombiano havia nos informado que esta região já esteve sob controle da guerrilha das FARC e que tanto guerrilheiros, soldados do exercito e paramilitares vestem exatamente o mesmo tipo de uniforme, por um momento pensamos que iríamos ser capturados pela guerrilha; felizmente eram soldados do exercito colombiano que agora ocupam permanentemente a região.
Após o susto e desembarque, seguimos logo para o escritório da ONG Conservation International para hospedagem. Carregando nossa bagagem nas costa por vielas lamacentas do precário povoado indígena; aqui tudo, em terra, é transportado nas costas; não há nem mesmo uma bicicleta, uma carriola, ou animais de transporte. Toda a região é coberta por densa floresta onde vivem vários grupos indígenas, predominando os yucunas e tanimucas e havendo pelo menos uma tribo ainda não contactada em uma área de cerca de 1 milhão de ha que o governo colombiano transformou numa reserva nacional; demarcada sobre uma imagem de satélite e criada legalmente em 2002, até hoje, devido às dificuldades de acesso, nenhuma expedição conseguiu chegar até lá. Em nossa primeira incursão de coleta, seguimos justamente na direção da grande reserva, que por terra pela floresta, indo no sentido sul até os limites da mesma, segundo estimativas dos indígenas, é de apenas alguns dias de viagem, porém em nenhum momento tivemos a intenção de chegar lá, até porque nossos guias indígenas morrem de medo só em ouvir falar nisso, pelas estórias incríveis de índios canibais que vivem na área. Nossa intenção era encontrar a espécie Oenocarpus simplex, uma elegante palmeira entouceirada do grupo das “bacabas” de folhas e inflorescências simples, descoberta na região há poucos anos e também já encontrada em território brasileiro (foto 2). Encontrada a palmeira e já muito distante do povoado de La Pedrera, decidimos voltar à nossa base.
Na segunda incursão, planejamos uma expedição ao cerro Yupati de ca. de 400 m de altura, única montanha da região e também local sagrado dos índios Tanimucas; após horas de negociação com os indígenas, conseguimos finalmente autorização para prosseguir. Esta montanha é o local onde esteve em 1816 a expedição do botânico Von Martius que partiu de São Paulo, onde entre outras plantas, descobriu a espécie Oenocarpus circumtextus, magnífica palmeira do grupo das “bacabas”; pelos relatos do viajante, estivemos no exato local onde a expedição a encontrou e onde tudo continua exatamente como ele descreve ( fotos 3, 4 e 5). Trata-se de uma área de grande diversidade vegetal, ao contrario das planícies que a cercam, destacando-se espécies das famílias Orchidaceae, Bromeliaceae e Gesneriaceae.
Na terceira incursão de La Pedreira, seguimos em direção a fronteira brasileira pelo Rio Caquetá e de lá, após as incomodas e lentas formalidades e inspeções da base militar brasileira de Vila Bittencourt, tomamos rumo norte, inicialmente pelo Rio Yapapouri e depois pelo Rio Taraira, que separam a Colômbia do Brasil, até a região brasileira denominada “Cabeça-do-Cachorro”.
Ao longo do rio, durante dois dias fizemos varias incursões nas matas de ambos os lados para levantar as espécies ocorrentes e comparar as do lado brasileiro com as ocorrentes na região fronteiriça da Colômbia (região de La Pedrera), confirmando-se que quase todas as palmeiras também ocorrem no lado brasileiro.
O governo colombiano construiu e mantém a cada ca. de 100 km de distância ao longo dos grandes rios em regiões desabitados um pequeno barraco de ca. 60 m2 composto apenas de teto e assoalho de madeira, para que os eventuais viajantes destas regiões remotas tenham um lugar onde possam armar suas redes para passar a noite; isto foi providencial em nossa viagem para à região da Cabeça-do-Cachorro, onde chegamos ao anoitecer em um deles localizado bem na base de uma cachoeira, onde não teríamos condições de prosseguir sem a luz do dia; dividindo o apertado espaço com outro grupo de ca. de 18 pessoas, constituídas de homens, mulheres, crianças, porcos, galinhas e ca. de 9 toneladas de suprimentos, que se dirigiam para um garimpo localizado no mesmo rio do lado colombiano a ca. de 2 dias de viagem de lá. Despertados pelo grupo às 4 horas da madrugada, assistimos a exaustiva tarefa de transporte nas costa de toda a carga por uma trilha na mata e na escuridão de ca. 1 km até vencer o desnível da cachoeira e reiniciar a viagem, com cada homem levando até 90 km de carga em mochilas improvisadas de estacas amarradas com cipó; a mesma operação também fizemos nós, contudo a luz do dia, para continuar nossa viagem e as buscas; já na região da Cabeça-do-Cachorro começamos a encontrar a palmeira aquática Mauritiella aculeata, espécie típica da região do Alto Rio Negro – AM (foto 6).
Em nossa quarta e ultima etapa da viagem à região de La Pedrera, seguimos agora rumo oeste pelo Rio Caquetá e Miriti, tendo para isso que vencer uma grande cachoeira no Rio Caquetá de cerca de 1 km de largura; após a contratação de um piloto experiente para conduzir nossa lancha através da cachoeira, seguimos por terra até a sua parte superior e reiniciamos a viagem pelo rio que durou dois dias. Região de dominação dos índios Yucunas, tivemos que negociar com dois grupos para ter acesso as suas reservas, onde o processo se iniciou pela conversa com os caciques dentro de suas malocas escuras, fazendo parte da cerimônia à ingestão de bebida típica oferecida pelo anfitrião; este é um grupo culturalmente desenvolvido, contudo com hábitos originais (caçam com arco e flecha e suas malocas não contem resquício algum do mundo civilizado, exceto nas roupas que usam) (Foto 7 e 8).
No Rio Miriti, fomos em busca principalmente da palmeira Attalea septuagenata, do grupo dos babaçus, cuja única população conhecida encontra-se nesta reserva. Após a sua localização e coleta (Foto 9), nosso guia local brindou-nos com uma demonstração do preparo do “mambe”, uma pasta de mascar de largo uso entre os indígenas e constituído da mistura das cinzas da folha de embaúva com folhas de coca e preparadas através da maceração de ambos até formar um pó muito fino; colocada na parte lateral da boca, em contato com a saliva, forma uma bola coesa, que é deixada ali durante horas em contato com a saliva até absorver todo o principio ativo, quando então é descartado. Daqui seguimos para uma outra comunidade deste mesmo grupo étnico onde pernoitamos. No dia seguinte fomos buscar mais uma palmeira de interesse, do grupo das “bacabas” descoberta recentemente pelo colega colombiano que nos acompanhava – Rodrigo Bernal, quem a descreveu com o nome de Oenocarpus makeru, cujo epíteto especifico “makeru” é o seu próprio nome popular no indioma yucuna; após muita procura na reserva de mais de 30 mil há e uma parada para o almoço na selva, encontramos apenas poucas plantas (Foto 10). Após exame minucioso dos caracteres desta palmeira, concluímos que talvez possa ser um híbrido entre outras duas espécies de Oenocarpus, uma vez que a região é o centro de dispersão das espécies deste gênero, ocorrendo aqui todas as 10 espécies conhecidas, exceto Oenocarpus distichus que ocorre apenas no Pará, Mato Grosso, Goiás e Tocantins. Encontramos ainda na reserva, várias populações da espécie Attalea plowmannii, uma palmeira acaule com frutos muito grandes (foto 11).
Após o nervosismo da incerteza do retorno de nosso avião ao povoado de La Pedrera para nos levar de volta à Letícia (porque a informação que tínhamos é que se não houvesse teto para pouso, a aeronave só voltaria na outra semana), felizmente tudo ocorreu como previsto e pudemos voltar ao Brasil em segurança.
Situado na área urbana de Nova Odessa (Região Metropolitana de Campinas, a cerca de 120 km da Cidade de São Paulo – SP), o Jardim Botânico Plantarum é um centro de referência em pesquisa e conservação da flora brasileira. Foi idealizado a partir de 1990, por iniciativa do engenheiro agrônomo e botânico brasileiro Harri Lorenzi.
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