Em Busca das Palmeiras Perdidas

Expedições

Visando encontrá-las nos países vizinhos, planejamos viagens de busca na Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, onde algumas destas espécies, conforme já se sabia, também ocorriam.

Existem várias espécies de palmeiras nativas de ocorrência natural muito baixa, geralmente localizadas nas regiões fronteiriças do Brasil com países vizinhos, muitas das quais nunca mais foram encontradas em território brasileiro; isso ocorreu principalmente nas regiões de fronteira com os países do cone sul, onde a devastação da vegetação natural foi muito intensa, resultando no desaparecimento das espécies.

Visando encontrá-las nos países vizinhos, planejamos viagens de busca na Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, onde algumas destas espécies, conforme já se sabia, também ocorriam. O objetivo era conhecê-las e repatriá-las para poder divulgá-las através de nosso próximo livro sobre palmeiras brasileiras.

VIAGEM À BOLÍVIA

Pela diversidade climática de seu território, a Bolívia é muito rica em palmeiras, contudo, guarda apenas duas espécies já extintas em território brasileiro. Uma delas, Trithrinax schizophylla, ocorria em pequenas populações nas manchas de vegetação denominado de “chaco” que existem no Pantanal Matogrossense na região fronteiriça do Mato Grosso do Sul com a Bolívia. Também ocorre na região chaquenha do Paraguai e Argentina. Trata-se de uma palmeira solitária ou cespitosa de menos de 3 m de altura de ambiente sombreado e de lento crescimento; assim como a espécie Trithrinax campestris, não há nenhum exemplar adulto desta espécie cultivado em território brasileiro. A segunda espécie, Syagrus cardenasii, foi coletada apenas uma vez há muitos anos em território brasileiro nas montanhas ferrosas vizinhas à cidade de Corumbá – MS, área essa hoje muito degradada pela mineração.

Santa Cruz de la Sierra, cidade progressista do sul da Bolívia, foi nosso ponto de partida. Após uma recepção calorosa pelo diretor do Jardim Botânico da cidade – Eng. Dario Melgar e pelo septuagenário médico e naturalista Dr. Luis R. Moreno Suárez, autor de um maravilhoso livro sobre as palmeiras da Bolívia, saímos logo a campo a procura das nossas duas vedetes, guiados pelos nossos ilustres anfitriões (foto 1).

Tomando o rumo oeste, já no primeiro dia de viagem encontramos Syagrus cardenasii, dependurada nas encostas de montanhas rochosas e exibindo graciosamente ao vento sua folhagem reluzente e, para nossa completa êxtase, com flores e frutos (foto 2). Após os levantamentos de dados, coletas e fotografias de praxe, retornamos à Santa Cruz para no dia seguinte seguirmos rumo inverso com o intuito de procurar a segunda espécie.

A espécie Trithrinax schizophylla, já foi uma vez encontrada por outra equipe do Instituto Plantarum há alguns anos passados na região do chaco paraguaio, contudo estava estéril (sem flores e frutos). Agora na Bolívia, após uma longa jornada chaco adentro, finalmente começamos a avistar alguns pequenos exemplares solitários e escondidos pela densa vegetação chaquenha sobre um terreno já passando de úmido para quase pantanoso. Após uma completa busca, constatamos que todas as plantas avistadas, mais uma vez estavam estéreis, frustrando parcialmente nossa missão.

De volta à Santa Cruz, sem mais palmeiras para serem vistas, completamos a viagem rumando para os Andes para um passeio turístico a Cochabamba, Lapaz e Lago Titicaca situados a 4 mil m de altitude (foto 3).

VIAGEM À ARGENTINA

A espécie Trithrinax campestris, ainda hoje muito comum na região fronteiriça do Uruguai e Argentina com o Brasil, possivelmente tenha ocorrido também em nosso país numa pequena região do Rio Grande do Sul que faz fronteira com estes dois países, hoje coberta parcialmente por uma vegetação espinhenta denominada de “espinilho” no município de Barra do Quarai, vegetação esta também presente nos dois países vizinhos onde ocorre esta palmeira. Realmente não há nenhuma coleta desta palmeira em território brasileiro, contudo, em conversa com antigos moradores da região, ouvimos falar da existência de uma palmeira de folhas com o ápice espinescente ou com “folha de espinho” como dizem. Com este testemunho, semelhança de vegetação e proximidade das populações existentes hoje nos dois países vizinhos, acreditamos que esta espécie possa também ter existido um dia em território brasileiro na região do Parque do Espinilho. Como não há nenhum exemplar desta espécie cultivado no Brasil, decidimos viajar ao país vizinho para conhecê-la e documentá-la (foto 4).

Guiados pelo colega argentino Luiz Alberto Ventura, a partir de Uruguaiana no RS tomamos o rumo sul por uma estrada que segue próximo ao Rio Uruguai que divide os dois países e também a Argentina com o Uruguai; mal iniciamos a viagem e logo encontramos a primeira população da palmeira magnífica e altaneira. Trata-se de uma planta robusta e cespitosa de 3-4 m de altura, formando pequenas touceiras de 3-4 troncos e possuindo folhas extremamente rígidas com o ápice pungente (espinescente).

PRIMEIRA VIAGEM AO PARAGUAI

A primeira viagem a este país foi realizada na região norte através da cidade de Pedro Juan Caballero e teve por objetivo exclusivo encontrar a espécie Butia leptospatha, pequena palmeira acaule de menos de 30 cm de altura descrita em 1936 próximo à região de Itamaraju – MS; de ocorrência exclusiva nas pequenas manchas de cerrado da região situadas sobre solos muito férteis e de topografia plana, nunca mais foi encontrada porque a vegetação natural foi totalmente destruída pelas atividades agrícolas implantadas na região após esta época. Apesar das inúmeras tentativas de reencontrá-la em seu habitat natural, tanto por nossa equipe como por vários botânicos de todo o mundo, decidimos procurar no vizinho país, cuja vegetação natural é semelhante, porém menos destruída. Após intensa busca pela região, enfrentando os riscos da presença de traficantes e plantadores de maconha, encontramos uma palmeira que, inicialmente achávamos tratar-se da espécie procurada; contudo, após exaustivos estudos concluímos que se tratava de uma nova espécie, posteriormente descrita como Butia exospadix (foto 5).

SEGUNDA VIAGEM AO PARAGUAI

Visando encontrar cinco espécies brasileiras de palmeira possivelmente extintas no Brasil, programamos uma viagem ao país vizinho, contudo partindo da Argentina pela facilidade logística e a participação do colega argentino Luis Alberto Ventura.
Uruguaiana – RS, distante 1.600 km de Nova Odessa foi nosso ponto de partida. Seguindo rumo norte fizemos uma primeira parada na cidade de Corrientes para visitar o herbário do Instituto de Botánica del Nordeste (IBONE) e conversar com o lendário botânico argentino Antonio Krapovickas que há mais de 60 anos estuda as plantas da região (foto 6). Com suas preciosas informações sobre a flora paraguaia, continuamos na direção norte para entrar no Paraguai pela sua parte ocidental através da província argentina de Formosa. Após rápida passagem por sua capital, Asunción, seguimos na direção nordeste pelo centro do país através do chaco, uma região muito plana e um tanto inundável durante o período chuvoso, sendo a parte mais úmida dominada por densas populações da palmeira carandá – Copenicia alba (foto 7). Seguindo as pistas levantadas no herbário do “IBONE” logo encontramos a primeira espécie procurada Syagrus campylospatha, uma palmeira rizomatosa que cresce em colônias e também existiu na região fronteiriça do Brasil (Mato Grosso do Sul), hoje totalmente ocupada por lavouras de cereais (foto 8).

Seguindo agora no sentido norte na altura da cidade de Curuguaty, região central do país, visando atingir a reserva florestal de Mbaracayú, quase na fronteira com o Mato Grosso do Sul; após poucas horas de busca nas pequenas manchas de cerrado incrustado na floresta mesófila da reserva, encontramos a segunda espécie procurada: Butia campicola, uma pequena palmeira solitária de menos de 0,5 m de altura e de folhas verde-azuladas, com a inflorescência espiciforme disposta bem acima da folhagem. Voltando agora ao sul e depois dirigindo-se para o leste do país na região denominada de “Alto Paraná” e dominada pelas grandes lavouras de soja de brasiguaios, nada mais havia para se ver da vegetação original que foi totalmente substituída pelas lavouras grãos. Conheço todas as grandes regiões agrícolas do Brasil e seguramente nenhuma é tão desenvolvida como esta. São cerca de 200 km de extensão coberta por grandes lavouras de soja, cortados por modernas rodovias pavimentadas, centenas de grandes silos graneleiros e de mais de uma dezena de indústrias de processamento de grãos; aqui tudo é brasileiro, inclusive a língua falada nas ruas e datravés das rádios locais.

Agora já na região de influência da hidrelétrica de Itaipu, fomos procurar o botânico paraguaio Guilhermo Marmori do depto. do Meio Ambiente da Itaipu Binacional, descobridor de uma pequena palmeira recentemente descrita e que recebeu o seu nome: Butia marmorii; recebidos calorosamente pelo próprio senhor Marmori, fomos logo ver a única população existente desta espécie, uma vez que, segundo ele, todas as outras desapareceram sob as águas do grande lago de Itaipu em ambos os lados do Rio Paraná; o mais triste de tudo é que a única população existente está seriamente ameaçada; basta apenas o proprietário da área decidir transformá-la numa lavoura de soja, como já foi feito em todas as áreas vizinhas e tudo estará extinto para sempre (foto 9). Continuando agora mais 300 km até o extremo sul do país até a cidade de Encarnación para atravessar novamente a fronteira com a Argentina, e retornar finalmente à cidade de Uruguaiana, nada de significativo em termos de plantas pôde ser visto, porque também aqui as lavouras agrícolas dominam a paisagem. Conheço o Paraguai há cerca de 42 anos e me impressionou, nesta viagem, o grande progresso que o país vive; até cerca de 10 anos atrás havia apenas uma rodovia pavimentada e hoje, o país inteiro está cortado por modernas rodovias. A quarta espécie de palmeira procurada, infelizmente não foi encontrada e ficará para uma próxima viagem. Infelizmente, a busca pelas outras duas palmeiras também possivelmente extintas em território brasileiro, Trithrinax schizophylla e Butia leptospatha, terão que ficar para outra viagem porque ocorrem na região norte do país, muito distante de onde conseguimos chegar nesta viagem.

TERCEIRA VIAGEM AO PARAGUAI

Esta viagem, também iniciada pela região norte através da cidade de Pedro Juan Caballero, teve por objetivo encontrar as duas espécies faltantes: Butia leptospatha, considerada até então extinta e Trithrinax schizophylla, extinta em território brasileiro há muitos anos. Nos primeiros dias da busca, reencontramos a espécie nova Butia exospadix, encontrada em nossa primeira viagem, porém agora em território brasileiro. Quando já estávamos desistindo das buscas, resolvemos inspecionar um terreno baldio de uma área industrial na periferia da cidade de Pedro Juan Caballero, revestida por uma vegetação de cerrado totalmente depauperada e chamuscada pelo fogo repetido e confessado pelas pessoas que conversamos como local de desova dos cadáveres do narcotráfico, quando veio a grande descoberta – a verdadeira Butia leptospatha; havia apenas algumas plantas moribundas (foto 10). Animados pela descoberta, decidimos voltar às buscas, agora no lado brasileiro; após mais alguns dias de procura, encontramos há cerca de 40 km deste local, cerca de 20 plantas da mesma palmeira no meio de uma infestação de capim-braquiária na faixa da rodovia e castigada pelo fogo repetido. Nesta mesma busca, acabamos reencontrando a espécie Syagrus campylospatha, porém agora em território brasileiro na região de Bela Vista. Infelizmente nossa última espécie procurada, Trithrinax schizophylla ficará para uma outra viagem, porque o seu local de ocorrência é no chaco da região norte do Paraguai, em local ainda muito distante da fronteira com o Brasil.

QUARTA VIAGEM AO PARAGUAI

Esta viagem teve como objetivo exclusivo encontrar a espécieTrithrinax schizophylla (carandilho para os nativos) em flores ou frutos, uma vez que já foi encontrada em outra expedição a este país, porém no estado estéril. Sua ocorrência é na região chaquenha do norte deste país bem na fronteira com o Brasil na região de Porto Murtinho, onde outrora ocorria. Apesar da proximidade com esta região brasileira, decidimos seguir a direção noroeste através da cidade fronteiriça de Pedro Juan Caballero, nosso ponto de partida, devido à ausência de estradas naquela região; em companhia do amigo paraguaio Rodrigues, seguindo inicialmente para sudoeste e depois para o norte através da cidade de Concepción, percorremos cerca de 450 km até encontrar as primeiras plantas, através do chaco – um tipo de vegetação semiárida (chove muito pouco), onde predomina nas partes baixas a palmeira carandá (Copernicia alba) e nas áreas mais secas espécies arbóreas típicas da caatinga do Nordeste brasileiro, como braúna-parda (Schinopsis brasiliensis), são-joão (Senna spectabilis), amburana-de-cambão (Commiphora leptophloeos), etc. (foto 11). Grandes populações do carandilho só fomos encontrar na região de Filadélfia a cerca de 600 km de nosso ponto de partida, de onde sua população aumentava em direção à fronteira com o Brasil (Porto Murtinho) ainda distante cerca de 180 km em linha reta (foto 12). Há mais de oito meses sem chuva, a temperatura às 15 horas atingiu 54 C°; área ocupada predominantemente por indígenas, é hoje reduto dos guerrilheiros do Exército Revolucionário de Libertação (uma filial das FARC colombiana), que atuam na região com sequestros e extorsões para angariar recursos para sua causa; felizmente, devido à ocorrência naquela semana de um sequestro de um importante fazendeiro da região, tivemos a cobertura do exército paraguaio que estava na região tentando capturar os sequestradores. Felizmente em pouco mais de 2 dias conseguimos realizar nossa missão de encontrar e coletar sementes da planta; em seguida, para evitar maiores problemas, batemos imediatamente em retirada.

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